quinta-feira, 11 de novembro de 2010

VIDAS SECAS - Graciliano Ramos

 

       Estilo e linguagem

  • Narrador Observador (3ª pessoa) onisciente.       
  • Discurso indireto livre (predominante) - É o narrador que se interioriza nos pensamentos dos personagens para revelá-los ao leitor
  • Narrativa fragmentada – “Romance desmontável”
  • Orações coordenadas, curtas e diretas – Linguagem “seca”,
 
RESUMO DA NARRATIVA

1. Mudança
     Os retirantes caminham pela planície seca em direção à sombra de juazeiro que se vê ao longe. Famintos e cansados, param e festejam a refeição: um preá (pequeno roedor) apanhado por Baleia. Uma nuvem cresce no céu    prenunciando chuva. Acabaram de chegar a uma fazenda abandonada. Fabiano alegra-se, chuva significa vida: o gado voltaria ao curral, ele seria o vaqueiro, a caatinga voltaria a reverdecer, Sinha Vitória remoça-ria, vestiria uma roupa vermelha. 

2. Fabiano
Chove. A caatinga volta a ficar verde, o gado retorna. Com a chuva, volta também o fazendeiro, que permite ao retirante ficar na condição de vaqueiro. Começa para Fabiano uma época de fartura, mas ele sabe que isso é passageiro. Um dia, ele seria despedido, porque não era um homem, mas um bicho, isto é, um cabra, (apesar dos olhos azuis e cabelos ruivos), que nada possuía, que nada sabia das complexidades da vida. Quem sabia era o seu Tomás da Bolandeira. Na verdade, a sabedoria do seu Tomás pouco adiantava. O coitado morrera por causa do estômago fraco. Agora era preciso começar a educar os filhos, calejá-los, ensinar-lhes a lida dos vaqueiros. Estavam ficando curiosos, perguntadores, insuportáveis.

3. Cadeia
Fabiano vai à cidade fazer compras, é espancado e preso por ordem de um “sol-dado amarelo”. Na cadeia, reflete sobre a miséria de sua condição. Ele poderia “desmanchar” o soldado com um tabefe, mas o outro era autoridade e ele, como os outros presos ali, não servia para nada. Não fossem a mulher e os filhos entraria para o cangaço, para vingar-se, mostrar ao soldado e “seus donos”. Não havia esperança para ele e para os seus. Quando os meninos crescessem seriam pobres bichos como ele, maltratados e machucados por um soldado qualquer.

4. Sinha Vitória
Sinhá Vitória cozinha, sonha com uma cama de lastro de couro (a deles era de vara) e se entristece quando Fabiano ridiculariza os sapatos de verniz que ela usava nas festas, comparando o seu andar ao de um papagaio. Recorda então o papagaio que precisaram comer no início da caminhada, para não morrerem de fome. O papagaio era mudo.

5. O menino mais novo
Fascinado pela figura do pai, com seu traje de couro, domando uma égua, o garoto quer imitá-lo, conquistar a admiração do irmão e de Baleia. Espera a hora de as cabras beberem água e monta no bode. O animal corcoveia, joga-o no chão, humilhado diante das risadas do irmão. Passada a humilhação, permanece a admiração pelo pai, o desejo de ser como ele, no futuro, fazer as mesmas coisas.

6. O menino mais velho
Intrigado com a palavra inferno, que ouvira de uma benzedeira, o garoto interroga a mãe e o pai, a respeito. A mãe lhe diz tratar-se de um lugar muito ruim e, incapaz de descrevê-lo, afasta-o com um cascudo. O pequeno chora, Baleia aproxima-se para consolá-lo. O garoto põe-se a contar-lhe uma história, com um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que comeram no tempo da seca. Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender. Observa-se aqui o processo de identificação entre o menino e a cachorrinha. São dois seres parecidos, social e biologicamente, que se deslumbram com coisas minguadas: a esperança de um osso, uma palavra bonita – inferno.

7. Inverno
Chove no sertão. O sertanejo está contente, apesar do frio e do desconforto que os impede de dormir. Fabiano começa uma história confusa. O menino mais velho não consegue entendê-lo, porque, no escuro, não vê o rosto do pai (veja-se que a comunicação ocorria principalmente por meio de gestos).

8. Festa
Natal. Fabiano e a família vestem roupa nova e vão à festa na cidade. Os meninos estão deslumbrados com tanta gente e tantas coisas coloridas. Sinha Vitória revive o sonho da cama de couro. Baleia some, reaparece, acaba resignando-se a tantas coisas estranhas e cheiro esquisito. Fabiano embriaga-se, adormece e sonha com os soldados amarelos que o maltrataram.

10. As contas
A cachorrinha adoece e Fabiano precisa matá-la, para desespero dos meninos. Um tiro de chumbo acerta a anca, e Baleia foge para o mato, correndo com dificuldade. O entorpecimento dos sentidos deixa-a confusa. A ausência de sons e cheiros familiares transmite-lhe a sensação de um mundo vazio. Sofrendo muito, procura dormir para acordar num mundo cheio de preás.

10. As contas
No acerto com o patrão, Fabiano sempre sai logrado. Sinha Vitória faz as contas do fazendeiro, sempre são diferentes. Eram os juros e os prazos. Fabiano reclama, mas acaba se conformando por medo de ser expulso da fazenda. Na sua impotência só resta o ressentimento, o ódio ao fazendeiro, ao soldado amarelo, ao fiscal da prefeitura que lhe cobra imposto e multa quando tenta vender um animal.

11. O soldado amarelo
Um dia, rastreando animais, Fabiano reencontra o soldado amarelo que, há cerca de um ano, o maltratara e o colocara na cadeia. Cortando mato, o facão afiado subia e descia, quando aparece aquele soldadinho magro e, por um momento, o vaqueiro pensa em vingança. O inimigo tremia e batia queixo. Mas não era da natureza de Fabiano matar. Gerações sujeitas ao sofrimento e habituadas à passividade produzem tipos passivos, submissos à autoridade. Depois de alguma hesitação, tira o chapéu, prestimoso, e ensina o caminho ao soldado amarelo.

12. O mundo coberto de penas
As aves de arribação chegam em bandos, prenunciando a seca. Fabiano abate algumas para salgá-las e levá-las na viagem próxima. Não pode mais ficar naquele lugar de lembranças ruins: as contas com o patrão, o soldado amarelo, a seca, a cachorrinha Baleia, que precisara matar e não consegue esquecer. E, por cima de tudo, a consciência de que não tivera coragem de matar o soldado ama-relo, porque é um cabra ordinário, que não consegue se vingar, que não merece respeito.

13. Fuga
Impossível pagar a dívida ao fazendeiro. Fabiano foge. Foge da seca e foge do patrão. Desesperam-se, em princípio, ele e a companheira. À medida que caminham vão-se animando, fazendo planos, criando esperanças. Agora pensam em encontrar uma cidade grande, no Sul. Lá envelheceriam enquanto os meninos iriam à escola. “E o sertão continuaria a mandar gente para lá”.
 ANÁLISE DOS PERSONAGENS

Fabiano

  • *       Assim define o Dicionário Aurélio:  Fabiano [Do antr. Fabiano, poss.] Indivíduo inofensivo; pobre-diabo. 
“Somos muitos Severinos
Iguais em tudo na vida...”
  • *       Problematiza a não aquisição da linguagem, que é o seu maior anseio.
  • *       Vive a angustiante combinação de revolta e a passividade (impotência).
  • *       Por não saber se expressar, entra num processo de isolamento,  aproximando-se dos animais, com os quais se identifica melhor .

“Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia.” (VS)

Sinha vitória

  • *       Mais astuta do que o marido
  • *       Possui um espírito inconformado com sua situação
  • *       Seu inconformismo faz com que ela se transforme em uma pessoa queixosa, sendo impaciente com os filhos e um tanto quanto amargurada.
  • *       Seu desejo se materializa numa cama de couro, para “dormir que nem gente”

“Sentou-se na janela baixa da cozinha, desgostosa. Venderia as galinhas e a marrã, deixaria de comprar querosene. Inútil consultar Fabiano, que sempre se entusiasmava, arrumava projetos. Esfriava logo – e ela franzia a testa, espantada, certa de que o marido se satisfazia com a idéia de possuir uma cama. Sinha Vitória desejava uma cama real, de couro e sucupira, igual à de seu Tomás da bolandeira.” (VS)

Os meninos mais velho e mais novo

  • *       A ausência de nomes acaba por projetá-los ao anonimato
  • *       O mais novo vê no pai um ídolo, um modelo a ser seguido
 “E precisava crescer, ficar tão grande como Fabiano, matar cabras a mão de pilão, trazer uma faca de ponta a cintura. Ia crescer, espichar-se numa cama de varas, fumar cigarros de palha, calcar sapatos de couro cru.” (VS)

  • *       O mais velho já é curioso, possui o desejo de saber.

“Como era possível haver estrelas na terra? Entristeceu. Talvez Sinha Vitória dissesse a verdade. O inferno devia estar cheio de jararacas e suçuaranas, e as pessoas que moravam lá recebiam cocorotes, puxões de orelhas e pancadas com bainha de faca.“ (VS)

  • *       São, de certo modo, redundâncias dos próprios pais.

“A cabeça inclinada, o espinhaço curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esses movimentos eram inúteis, mas o vaqueiro, o pai do vaqueiro, o avo e outros antepassados mais antigos haviam-se acostumado a percorrer veredas, afastando o mato com as mãos. E os filhos já começavam a reproduzir o gesto hereditário. ” (VS)

“Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados maltratados, machucados por um soldado amarelo” (VS)

Baleia

  • *       Nome de peixe – Tradição popular e Compensação pela carência d'água.
  • *       Ela é humanizada (ANTROPOMORFIZAÇÃO)
  • *       Representa conforto para uma família desacostumada ao afeto.
  • *       Sem Baleia a próxima viagem não terá o mesmo consolo
O soldado amarelo, o agente da prefeitura e o dono da fazenda

  • *       Os três personagens são representantes das instituições sociais que oprimem Fabiano.
  • *       O soldado - corrupto, oportunista e medroso
  • *       O fiscal da prefeitura intolerante e explorador .
  • *       O dono da fazenda - exigente, ladrão e opressor.
 A seca

  • *       Graciliano Ramos evita longas descrições do fenômeno.
  • *       Opta por assinalar o reflexo da seca na interioridade dos indivíduos.
  • *       Atentar para o título: VIDAS SECAS – plurissignificativo.
  • *       Determina as duas migrações da família – Fator de instabilidade
 Animalização do homem

  • *       Hostilidade da Natureza + Opressão do Sistema

Isolamento
Embrutecimento

  • *       Fabiano se contempla como “bicho”

“Você é um bicho, Fabiano.”
“Estava escondido no mato como tatu. Duro, lerdo como tatu.” . (VS)

  • *       Zoomorfismo nas comparações e na linguagem
 “O corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um macaco.” (VS)
“Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto” (VS)
“Era um desgraçado, era como um cachorro, só recebia os ossos” (VS)

  • *       A presença humanizada de Baleia acentua a proximidade entre animal e humano.

“Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam.” (VS)

  • *       Existência determinada

“A cabeça inclinada, o espinhaço curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esses movimentos eram inúteis, mas o vaqueiro, o pai do vaqueiro, o avo e outros antepassados mais antigos haviam-se acostumado a percorrer veredas, afastando o mato com as mãos. E os filhos já começavam a reproduzir o gesto hereditário. ” (VS)

Carência da linguagem
  • *       O motivo (tema) mais repetido no texto.
  • *       Espelha o primarismo e a pobreza social de sua existência.
  • *       Os personagens expressam-se preferencialmente por interjeições guturais, onomatopéias, resmungos, muxoxos, rugidos, gritos.
  • *       Rusticidade o analfabetismo
  • *       A interioridade rala, a dificuldade de ordenação lógica das coisas
 Não era propriamente conversa: eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências. Às vezes uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhe vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos da expressão eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto.” (VS)

  • *       O silêncio é a impossibilidade do encontro de um com o outro, a desolação da seca, a grande solidão
 Apesar de ter boa ponta de língua, sentia um aperto no coração.(...) Achava-se desamparada e miúda na solidão, necessitava um apoio, alguém que lhe desse coragem. Indispensável ouvir qualquer som. A manhã, sem pássaros, sem folhas e sem vento, progredia num silêncio de morte.” (VS)

  • *       Várias vezes, no relato, o vaqueiro atribui seu embotamento mental e sua desimportância social à falta de instrução:

“Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.(...) Fabiano também não sabia falar. Às vezes largava nomes arrevesados, por embromação. Via perfeitamente que tudo era besteira. Não podia arrumar o que tinha no interior.” (VS)

Os sonhos

  •  O narrador faz uma investigação dos pobres sonhos pessoais de cada personagem.
  •  Cada parágrafo é um estudo psicológico
  •  São fantasias que compensam a aspereza do cotidiano.
  •  Sinhá Vitória - Cama de couro – Dignidade 
  •  Fabiano - Aquisição da linguagem - respeito
  • Menino mais velho - Saciar a curiosidade – Saber
  • Menino mais novo - Assemelhar-se ao pai – Valentia e coragem

Adversidade entre dois mundos

*       O mundo dos retirantes x A sociedade organizada

“Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa. Os negociantes furtavam na medida, no preço e na conta. O patrão realizava com pena e tinta cálculos incompreensíveis” (VS)
“Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura. Tudo na verdade era contra ele” (VS)

Romance circular?

“Este encontro do fim com o começo [...] forma um anel de ferro, em cujo círculo sem saída se fecha a vida esmagada da pobre família de retirantes-agregados-retirantes, mostrando que a poderosa visão social de Graciliano Ramos neste livro não depende [...] do fato de ele ter feito romance regionaliza ou romance proletário. Mas do fato de ter sabido criar em todos os níveis, desde o pormenor do discurso até o desenho geral da composição, os modos literários de mostrar a visão dramática de um mundo opressivo”. 
                                                            (Antônio Cândido)

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